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Entenda como está o caso Amazonas Energia e leia documentos

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Empresa entra com nova ação na Justiça para obrigar a Aneel a aprovar transferência ao grupo J&F; na 6ª feira (27.set), votação na agência terminou sem consenso

A situação de insustentabilidade da Amazonas Energia, que já perdura por décadas, passa por um momento de indefinição. Em sérios apuros financeiros e com serviços considerados precários, a distribuidora de energia do Estado do Norte corre risco de ficar sem uma solução para viabilizar a continuidade da concessão.

Na 6ª feira (27.set.2024), a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) não chegou a um consenso sobre a proposta de transferência da distribuidora, controlada pela Oliveira Energia, para a Âmbar Energia, empresa do grupo J&F. A votação terminou em empate, com 2 votos pela rejeição e 2 pela aprovação.

A Aneel atribuiu a falta de decisão ao fato de que está desde maio com 1 diretor a menos, com o fim do mandato de Hélvio Guerra. Um novo nome ainda não foi indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Nem mesmo um diretor-substituto foi escolhido pelo MME (Ministério de Minas e Energia). A cobrança pública e a falta de decisão irritaram o ministro Alexandre Silveira.

Sem o 5º diretor para desempatar, o caso vai para uma lista de processos da Aneel que aguardam a indicação para ser tomada a decisão. Neste tema em específico o prazo é apertado. Um novo integrante precisaria assumir até 10 de outubro para que a transferência seja analisada dentro da vigência da MP (medida provisória) 1.232 de 2024.

A medida foi publicada em 13 de junho pelo governo federal. Estipulou a possibilidade de transferência do controle acionário como alternativa à caducidade (cassação) da concessão da Amazonas, recomendada pela Aneel em 2023. Como a MP não foi votada pelo Congresso –e nem deve ser–, caminha para caducar, ou seja, perder a validade.

Além do risco de não conseguir atender a MP a tempo, a falta de decisão da Aneel por causa do empate descumpriu uma decisão da Justiça do Amazonas. Em liminar que atendeu a distribuidora, foi determinado que a proposta de transferência apresentada pela J&F fosse aprovada pela agência até às 16h40min de 6ª feira (27.set)

Em entrevista depois da reunião, o diretor-geral da Aneel, Sandoval Feitosa, disse que conversaria com a juíza para explicar que não foi possível cumprir a decisão por uma questão fora do controle dos diretores. Disse ainda que reforçaria ao ministério de Silveira a necessidade de uma rápida indicação do novo integrante para a diretoria, ainda que substituto.

O argumento, no entanto, não convenceu a Amazonas Energia. A distribuidora entrou com uma nova ação na Justiça no sábado (28.set) pedindo que sejam determinadas “medidas interventivas” na Aneel para o cumprimento da decisão anterior, de aprovar a transferência para a J&F. Argumentou que a agência tem adotado “atividade omissiva e nociva”.

A empresa pede liminarmente que a Justiça determine que o diretor-geral da Aneel tenha o poder de dar um voto de desempate ou possa decidir monocraticamente o tema em até 24 horas. Ambas as medidas não existem atualmente no regramento da agência. Em caso de descumprimento no prazo, a Amazonas pede que um interventor seja nomeado pelo MME.

Leia a cronologia do caso e as íntegras dos documentos:

  • 20.jul.2023portaria (PDF – 438 kB) do MME cria grupo de trabalho para estudar o problema da Amazonas Energia;
  • 21.nov.2023despacho (PDF – 153 kB) da Aneel recomendou ao MME a caducidade da concessão da Amazonas;
  • 22.fev.2024 – grupo de trabalho do MME publica relatório (PDF – 2 MB) dando ao governo 3 caminhos para resolver o problema: A) caducidade do contrato, B) intervenção na distribuidora e C) adoção de medida legislativa flexibilizando novamente regras para a Amazonas Energia e solucionando custos operacionais da empresa;
  • 13.jun.2024 – governo federal publica a MP 1.232 (PDF – 151 kB), que autoriza nova flexibilização de custos da Amazonas e a possibilidade de transferência da empresa para outro grupo econômico, por valor simbólico, como alternativa à caducidade;
  • 1º.jul.2024 – Amazonas submete a Aneel a proposta de transferência feita pela Âmbar/J&F por meio de 2 fundos de investimentos do grupo (documento com teor da proposta é sigiloso);
  • 23.set.2024 – juíza federal do Amazonas de 1º grau concede liminar (PDF – 320 kB) em atendimento a distribuidora determinando que a Aneel aprove a proposta de transferência em até 48 horas a partir da notificação (entregue em 25.set, às 16h40);
  • 24.set.2024 – superintendências técnicas da Aneel emitem nota técnica (PDF – 2 kB) que recomenda a rejeição da proposta de transferência e reforça indicativo de caducidade;
  • 26.set.2024 – Amazonas Energia informa a Aneel sobre mudanças na proposta original da Âmbar/J&F já no final da noite. Uma nova alteração foi apresentada no dia 27 de setembro (documentos sob sigilo);
  • 27.set.2024 – Aneel faz reunião extraordinária para julgar processo diante do prazo dado pela Justiça, mas diretoria não chega a consenso e votação termina empatada. Foram 2 diretores contra, seguindo o voto (PDF – 937 kB) do relator, Ricardo Tili. E 2 votos a favor da transferência, conforme o voto divergente (PDF – 506 kB) da diretora Agnes Costa;
  • 28.set.2024 – Amazonas Energia entra com nova ação (PDF – 183 kB) na Justiça do Amazonas pedindo que a adoção, em caráter liminar, de medidas interventivas na agência para aprovação da transferência, como dar ao diretor-geral voto de minerva ou o direito de emitir decisão monocrática sobre o caso.

Custo para consumidores é entrave

O principal ponto de divergência dentro da Aneel para aprovar a proposta apresentada pela empresa dos irmãos Joesley e Wesley Batista é o custo com as flexibilizações de despesas setoriais que a proposta traria aos consumidores de energia elétrica do país, por meio da conta de luz.

A MP 1.232 garante que, em caso de transferência do controle da Amazonas, a nova operadora terá 15 anos de flexibilizações de vários indicadores que impactam a tarifa e também de alguns custos operacionais. Essa despesa será repassada para a CCC (Conta de Consumo de Combustíveis), um encargo cobrado de todos os consumidores por meio das contas de luz. 

  • Segundo a Aneel, com a proposta original feita pela J&F o custo com essas flexibilizações à CCC chegaria a R$ 15,8 bilhões em 15 anos.
  • Já a área técnica da agência entende que esse repasse deveria ser menor, limitado a R$ 8 bilhões. Assim, os técnicos recomendaram a rejeição da proposta pelo potencial prejuízo aos consumidores de energia de todo o país em função de um impacto maior na conta de luz.

Depois da recomendação de rejeição feita pela área técnica, a Amazonas e a J&F informaram a Aneel que fizeram mudanças no plano apresentado em julho. Uma proposta retificadora foi protocolada na 5ª feira (26.set) no sistema da Aneel. E outra por volta das 13h de 6ª feira (27.set), quando a votação do plano já estava em andamento. 

  • Com as mudanças promovidas, haveria uma redução de custo para CCC de R$ 1,79 bilhão. Ou seja, o impacto cairia para R$ 14 bilhões.
  • Outra alteração feita foi para antecipar para o 6º ano do contrato o compartilhamento dos ganhos de eficiência com os consumidores, em forma de abatimento nas tarifas. O plano anterior era de que isso só fosse feito ao final de 15 anos.

O relator do caso, diretor Ricardo Tili, não chegou a considerar em seu voto essas mudanças, que também não foram analisadas pela área técnica em função da falta de tempo hábil. Tili votou contra a transferência nos termos originais propostos pela Âmbar. Foi seguido pelo diretor Fernando Mosna. 

Uma divergência foi aberta pela diretora Agnes Costa. Segundo ela, mesmo sem tempo para uma análise profunda de vantajosidade e legalidade das mudanças, numa rápida análise feita na 6ª feira (27.set) sobre os novos termos enviados pela empresa, concluiu que eles “são menos danosos ao consumidor”

Em seu voto, Agnes disse que as mudanças permitiram atender a decisão judicial de aprovar a transferência. Afirmou que “a proposta ainda onera as tarifas dos consumidores brasileiros muito mais do que a excelente análise realizada pelas superintendências da Aneel”, mas era “a melhor proposta do proponente para o interesse público”.  

Dessa forma, Agnes votou para aprovar a proposta da J&F com base nas mudanças de última hora feitas pela própria empresa. Foi seguida pelo diretor-geral, Sandoval Feitosa. Assim, o placar ficou em 2 a 2 a votação foi suspensa pela falta de definição. 

Em nota à imprensa, a Âmbar defendeu seu plano de transferência para adequar o serviço de distribuição da Amazonas. Disse que a proposta contém as “condições necessárias para reverter a histórica inviabilidade econômica da distribuidora“. A empresa afirmou ainda que o custo para a sociedade pode ser ainda maior sem a efetivação da transferência.

“O plano proposto busca evitar a repetição de condições que não foram capazes de solucionar o problema, garantir a segurança energética para os consumidores do Amazonas e benefícios para os consumidores de todo o país. Afinal, a única alternativa a uma transferência de controle é que a União assuma as operações da concessionária, tornando todos os contribuintes responsáveis pela integralidade dos custos”, afirmou.

Entenda o imbróglio

A Amazonas Energia é a concessionária de distribuição no Estado do Norte. Desde antes da sua venda, em 2018, da Eletrobras para a Oliveira Energia, já apresentava um elevado nível de endividamento e inadimplência com obrigações setoriais. Em novembro de 2023, a Aneel recomendou ao governo a extinção (caducidade) da concessão. 

A situação de insustentabilidade da Amazonas Energia perdura por décadas, acumulando perdas de mais de R$ 30 bilhões em 20 anos. Só com as térmicas da Eletrobras Eletronorte que forneciam para a distribuidora –e que também foram vendidas para o grupo J&F–, a dívida ultrapassa R$ 10 bilhões.

Além de problemas antigos da distribuidora, o Amazonas enfrenta um problema sério com os furtos de energia. Como mostrou o Poder360, a taxa de perdas não técnicas, os chamados “gatos”, supera o volume de fornecimento para todo o mercado de baixa tensão no Estado.

Quando foi privatizada, em 2018, o governo deu à nova gestão da Amazonas 5 anos de prazo para colocar a concessão de pé. Neste período, as principais metas regulatórias exigidas da distribuidora foram flexibilizadas, evitando penalidades e garantindo a operação. No entanto, o prazo acabou em maio deste ano e a situação, em vez de melhorar, piorou. 

A transferência do controle, a preço simbólico e com regras mais flexíveis, foi a alternativa mais viável encontrada pelo governo federal para salvar o serviço de distribuição de energia no Amazonas. As alternativas, que seriam a caducidade da concessão ou intervenção na empresa, trariam elevados custos para os cofres públicos e para as contas de luz.

A MP 1.212 exigiu que qualquer proposta pela Amazonas Energia precisa passar pela Aneel, a quem cabe avaliar se o plano atende às regras. A agência pode fazer exigências adicionais para autorizar o termo aditivo do contrato, que precisará “prever as condições para promover a recuperação da sustentabilidade econômico-financeira do serviço de distribuição de energia elétrica, com vistas a obter o menor impacto tarifário para os consumidores”.

De acordo com a MP de junho, se houver a transferência do controle da Amazonas, ficarão novamente flexibilizadas metas regulatórias e custos operacionais por 3 ciclos tarifários, ou seja, 15 anos. Dentre eles estão: 

  • custos operacionais; 
  • taxa de perdas não técnicas (furto de energia);
  • taxa de inadimplência.

Enquanto os custos operacionais serão compensados pela CCC, as metas mais leves de perdas e de inadimplência afetam o valor das contas de luz no Estado. Esses indicadores são levados em conta pela Aneel na fixação das tarifas. Quando estão acima do limite, a distribuidora é penalizada. No caso da Amazonas, há maior tolerância.

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