A Prefeitura de Fortaleza, comandada pelo candidato à reeleição José Sarto (PDT), está gastando R$ 10 milhões com propagandas sobre ações de limpeza, coleta de lixo e reciclagem veiculadas durante o período eleitoral, quando é vetada publicidade institucional.
As propagandas —que tratam de iniciativas municipais, embora só mostrem o nome da empresa contratada pelo município— fazem parte de um projeto criado, com recursos extras, para operar somente de junho a novembro deste ano.
O tema do lixo tem tido centralidade no debate eleitoral da capital cearense, sobretudo por causa da criação de uma taxa em 2023, durante a atual gestão.
Essas ações de publicidade são tocadas pela empresa Ecofor Ambiental, ligada ao grupo Marquise, que detém contratos de lixo com o município desde 2003, com renovações sucessivas, e que já consumiram, só neste ano, R$ 497 milhões.
Em contratos diretamente com a Marquise, a prefeitura pagou outros R$ 49 milhões em 2024. Os valores constam no Portal da Transparência da prefeitura.
Para ampliar a publicidade no período eleitoral, a gestão Sarto criou um projeto específico, com início em junho, e determinou ampliação de R$ 10 milhões no contrato firmado entre a prefeitura e a Ecofor para os serviços de limpeza urbana.
Essa contratação geral já custa, por mês, R$ 38 milhões aos cofres municipais, e preveem ações de educação ambiental. Para isso, são destinados R$ 246,2 mil mensais, e atuação de apenas 17 pessoas.
O novo projeto é chamado de Maior Limpeza Fortaleza. Consiste praticamente em propagandas, com produção de vídeos e impulsionamento na internet, conteúdo patrocinado em jornais e anúncios em totens e elevadores, segundo os documentos obtidos pela Folha.
O cronograma de execução é de seis meses e segue somente até novembro, logo após o segundo turno da eleição, marcado para 27 de outubro. A execução de recursos, por sua vez, concentra-se de julho a outubro.
A gestão Sarto nega irregularidades. “Em nenhuma dessas ações e conteúdos divulgados há menção nem referência à Prefeitura de Fortaleza nem aos feitos da gestão. Portanto, não se trata de propaganda”, diz nota da prefeitura.
O plano de trabalho desse projeto indica que ele busca “promover a conscientização e a sustentabilidade” e, reforça o documento, está alinhado com o Fortaleza Limpa. Este é um programa lançado por Sarto em maio para lidar com a questão de resíduos sólidos na cidade.
Nas propagandas às quais a Folha teve acesso, há mensagens sobre reciclagem e descarte correto de resíduos sólidos, por exemplo, e não aparecem referência a Sarto ou logotipos da prefeitura —somente o da Ecofor. Uma delas, disponíveis em telas de terminais de ônibus e elevadores, fala em como os recicláveis podem gerar desconto na conta de energia.
Trata-se de uma das iniciativas do programa criado por Sarto em maio. O QR code exposto no anúncio ainda leva para um link em que o nome do programa é citado: “Cuidar de Fortaleza é Maior Limpeza”, diz o texto de abertura, em um endereço da concessionária.
Na sexta-feira (27), o prefeito e candidato à reeleição divulgou em rede social realizações da gestão sobre o tema. “A nossa taxa de reciclagem cresceu e chegou a 8%, o dobro da taxa nacional. Já são mais de 3 mil toneladas recolhidas nos programas de coleta seletiva da Prefeitura neste ano”, escreveu ele.
Sarto também posou para fotos com uma pessoa que estampava na camisa a marca do Fortaleza Limpa.
A prefeitura diz, em nota, que a iniciativa criada em junho “consiste em um grande programa de educação ambiental com ações educativas sobre a importância do correto descarte dos resíduos na cidade, capacitações, mutirões de limpezas e veiculação de conteúdos de conscientização”.
Especialista em direito eleitoral, o professor e advogado Carlos Enrique Caputo Bastos diz que a legislação eleitoral se estende a empresas contratadas no que diz respeito ao veto a propagandas. A publicidade institucional é proibida nos três meses antes da eleição.
“Uma contratação somente para um período mais crítico e o crescimento de despesas injustificadas podem demonstrar manipulação”, diz Bastos, que leciona no IDP, em Brasília. “A Justiça Eleitoral já identificou propagandas que, de alguma forma, identifiquem politicamente, o que pode configurar abuso do poder político e econômico.”
A execução dos R$ 10 milhões do projeto criado para o período eleitoral é focada na produção e divulgação de conteúdo, segundo detalhamento dos custos obtidos pela reportagem.
A Ecofor determinou um gasto de cerca de R$ 5,7 milhões para anúncios em totens e painéis urbanos, sites e impulsionamento nas redes, e R$ 1,2 milhão somente para produção de 12 vídeos. Foram ainda destinados R$ 977 mil para custear “ideia criativa”, roteiro e desenvolvimento de peças.
A produção de ecobags e material de divulgação teve custo descrito de outros R$ 890 mil.
Em junho, a coordenadoria de comunicação social da prefeitura aprovou a planilha desse custos em ofício de cinco linhas. “Os valores do projeto”, diz o documento, “estão compatíveis com o mercado”, sem maiores detalhes.
Questionada sobre como realizou a análise, a prefeitura afirmou, em nota, que a “valoração dessas ações teve por base as tabelas de mercado de serviços equivalentes”.
O grupo Marquise, que controla a Ecofor, é do empresário José Carlos Valente Pontes, que tem proximidade com o ex-presidenciável Ciro Gomes (PDT), para quem doou R$ 200 mil na campanha de 2022. No pleito de 2024, ele doou um total de R$ 30 mil, para dois candidatos a vereador, um de Fortaleza e outra de Aquiraz.
A empresa foi questionada, mas disse que a prefeitura responderia.
Ciro apoia Sarto nesta eleição, após um racha político. Houve um rompimento da aliança estadual entre o PT do ex-governador e atual ministro da Educação, Camilo Santana, e o PDT de Ciro. Na briga, o senador Cid Gomes, irmão de Ciro, trocou o PDT pelo PSB –e apoia Evandro Leitão (PT).
Segundo pesquisa Datafolha divulgada na última quarta-feira (25), André Fernandes (PL) tem 27% das intenções de voto, Leitão, 25%, Capitão Wagner (União Brasil), 17%, e José Sarto tem 15%. A margem de erro do levantamento, contratado pelo jornal O Povo, é de três pontos percentuais para mais ou para menos.