Você seria capaz de dar sua vida por algo ou alguém? Quando vai ao jogo de futebol comigo, minha filha canta um verso da uniformizada que diz: “Vamos, Portuguesa/ Sua história é tão bonita/ Por você eu sou capaz/ De dar minha vida”.
Não que Dudu pense nisso –felizmente–, mas é também verdade que ela canta o verso com intensidade e vontade, mesmo em jogos da Copa Paulista. É palpável, há alguma sinceridade em seu canto.
Soa bastante estúpido dar a vida por algo que pode ser apenas uma afinidade eletiva surgida um tanto aleatoriamente. Não se está a lutar por uma causa. Mas alguma causa vale a vida? É possível falar de uma ontologia de causas ótimas para entregar a vida?
Entrariam possivelmente aí valores –justiça vem-me rápido à cabeça–, sociedades, entidades, agrupamentos, clubes, comunidades, pessoas, países.
A “Psicologia das Massas” de Freud é sempre citada quando multidões agem como manada, em comportamentos que podem descambar para a violência. Mas o rebanho necessariamente segue um líder, escreve o pai da psicanálise, e o mimetiza.
Não consigo ver esses messias nas torcidas de futebol. Se agem como manada, parecem fazê-lo de maneira mais horizontal, como que convocadas por uma beligerância ancestral.
Essa conversa me foi inspirada por um contraexemplo: me vi torcendo intensamente pelo sucesso de quatro companheiros que havia recém-conhecido e que disputavam sua primeira corrida de 16K.
Disputar pode ser um verbo um tanto forte, porque terminar a prova 10 Milhas Garoto, com sua impressionante história de três décadas e meia na região metropolitana de Vitória (ES), era uma missão que estranhamente tinha a ver com a natureza do trabalho do quarteto: eles são influenciadores, produtores de conteúdo, e a corrida era o grand finale de uma série de demandas profissionais.
Pois eles completaram a prova, muitos minutos depois de mim e do treinador pioneiro da corrida, Wanderlei Oliveira, hoje também jornalista. Para mim e para WO, a corrida era mais uma.
Nada sugeria um grande congraçamento entre jornalistas e influenciadores durante nossos dias de contato. Deslocávamo-nos, por exemplo, em vans separadas, como a refletir, talvez, a natureza supostamente distinta do trabalho de uns e outros.
Enquanto os primeiros, mesmo a convite de um patrocinador, como era o caso, deveriam exercer algum nível de desconfiança, ter algum decoro, vá lá, jornalístico, aos segundos caberia vestir sem peias a camisa do sponsor.
É mesquinho, creio, ver alguma superioridade aí –valeria morrer por um jornalista e não por um influencer?–, mas ainda mais mesquinho, ignóbil mesmo, seria fechar-se às possibilidades das relações interpessoais.
Mas não foi por voluntarismo ou por exercer valores elevados que senti profundo orgulho da conclusão da prova por Carol, Dudu, Juan e Cauê, até horas antes totais desconhecidos. A coisa veio, como sempre vem, com naturalidade, de maneira quase inconsciente. Resultado de uma humanidade também ancestral, atávica.
Disse mesmo a alguns deles, durante a foto que pedi para tirar, que me sentia como o capitão de uma equipe havia muito formada, a nossa equipe.
Será que damos a vida pela nossa equipe? Seria isso o amor?
O colunista viajou a Vitória (ES) a convite da Nestlé, proprietária da Chocolates Garoto, que desde 1989 realiza a 10 Milhas Garoto. Nesta edição, cerca de 50% dos trabalhadores da fábrica disputaram a prova
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